“Por que cantamos”
De Manoel de Andrade para Mário Benedetti(*)
Se tantas balas perdidas cruzam nosso espaço
e já são tantos os caídos nesta guerra ...
Se há uma possível emboscada em cada esquina
e temos que caminhar num chão minado...
“você perguntará por que cantamos”
Se a violência sitia os nossos actos
e a corrupção gargalha da justiça
Se respiramos esse ar abominá vel
impotentes diante do deboche ...
“você perguntará por que cantamos”
Se o medo está tatuado em nossa agenda
e a perplexidade estampada em nosso olhar
se há um mantra entoado no silêncio
e as lágrimas repetem: até quando , até quando , até quando ...
“você perguntará por que cantamos”
Cantamos porque uma lei maior sustenta a vida e
Cantamos porque há uma partícula de luz no túnel
da maldade
e porque nesse embate só o amor é invencível
Cantamos porque é imprescindível dar as mãos
e recompor , em cada dia , a
Cantamos porque a paz é uma
a espera de um punho inumerável
Cantamos porque o pânico não retardará a primavera
e porque em cada amanhecer as sombras batem em retirada
Cantamos porque a luz se redesenha em cada aurora
e porque as estrelas e porque as rosas
Cantamos porque nos riachos e lá na fonte as águas cantam
e porque toda essa dor desaguará um dia .
Cantamos porque no trigal o grão amadurece
e porque a seiva cumprirá o seu destino
Cantamos porque os pássaros estão piando
e ninguém poderá silenciar seu canto .
Cantamos para saudar o Criador e a criatura
e porque alguém está parindo neste instante
e porque a utopia persiste a despeito da descrença
Cantamos porque nessa trincheira global , nessa ribalta ,
Cantamos porque somos os trovadores desse impasse
e porque a poesia tem um pacto com a beleza .
E porque nesse verso ou nalgum lugar deste universo
o nosso sonho floresce deslumbrante .
Manoel de Andrade
Curitiba, Maio de 2003
(*)Escrevi estes versos motivado pelo belíssimo poema “POR QUE CANTAMOS” do poeta uruguaio MARIO BENEDETTI. Num tempo em que todos caminhamos sobre o “fio da navalha ” me senti, como poeta , implicitamente convocado a também testemunhar por que cantamos.
Méon
ResponderEliminarTe descobri por aqui , nesse seu outro sítio que parece tambem hopitaleiro e mais ameno.Ainda nao bisbilhotei quiz logo dizer que essa poesia de Manoel de Andrade é infelismente,muito real pra nós brasileiros.
Gosto dos poemas em que ele fala da liberdade
... "é o teu nome
e toada dos companheiros em marcha."
tudo que ele escreve é excelente.
Obrigada Méon
deixo abraços