sábado, 2 de janeiro de 2010

UM TEXTO QUE AJUDA A PERCEBER ALGUMA COISA

Responsabilidade: impostos ou despesa?


Há duas teses em confronto contra a crise: a defendida por Sócrates baseada no keynesianismo, e a dos supply-siders, recusada por Sócrates

No último debate no Parlamento, José Sócrates afirmou que seria uma irresponsabilidade baixar os impostos, dado o seu efeito nas contas públicas. Ao mesmo tempo, reafirmou o compromisso de aumentar o investimento público, apesar do défice que dele resulta. Contradição? Nem por isso, depende de dois pressupostos.

Para perceber porquê, reparem que o défice público é igual aos gastos do Estado (G) menos as receitas, que por sua vez são iguais à taxa de imposto (T) vezes o rendimento do país (Y). (Claro que isto é uma simplificação, até por¬que há varias taxas de imposto, mas ela não altera o ponto prin¬cipal.) Numa equação simples: Défice =G-TxY.

O compromisso do primeiro-ministro de aumentar o investimento público (G) parte do pressuposto de que isso vai causar um aumento no PIB (Y). Ou seja, que o investimento público vai estimular a economia. Logo, o efeito no défice será atenuado pelo aumento nas receitas, e esta é uma medida responsável. Este raciocínio está na base do Keynesianismo. Sócrates claramente perfilha este ponto de vista. Em contrapartida, reduzir os impostos também estimula a economia Se as pessoas pagam menos impostos, têm um incentivo para trabalhar mais e investir mais. Logo, baixar impostos (T) também aumenta o rendimento (Y). Os economistas que acreditam que este efeito é grande chamam-se supply-siders. Sócrates deve achar que eles estão errados.

O segundo pressuposto tem a ver com os défices futuros. Implicitamente, Sócrates deve acreditar que os aumentos na despesa pública para combater a crise serão temporários. Quando a economia melhorar, será fácil reduzi-los e resolver o défice. O pressuposto contrário é que, cortando os impostos hoje, será fácil aumentá-los no futuro quando a crise passar.

A posição do primeiro-ministro é por isso coerente. Ele acredita, legitimamente, que aumentos nos gastos públicos são mais eficazes no estímulo à economia, e que será fácil cortar no tamanho do Estado no futuro.

O que dizem os dados? Estando tanto em jogo, não é surpreendente que este seja um tema con-troverso. A última palavra (mesmo assim não conclusiva) vem dos economistas Alberto Alesina e Silvia Ardagna que usaram dados para a OCDE entre 1970 e 2007 para obter dois resultados. Primeiro, os cortes nos impostos são mais eficazes do que os aumentos na despesa pública no estímulo ao crescimento económico. Segundo, as tentativas de reduzir o défice têm maior sucesso se forem alcançadas por via de cortes nas despesas, em vez de por via de subidas nos impostos.

Sócrates está em boa companhia a maior parte dos países ocidentais optaram também sobretudo pela via da despesa Mas se a economia oferece pressupostos teóricos que justificam esta opção, ela não oferece respostas conclusivas sobre se será a melhor opção ou não.

RICARDO REIS, Professor de Economia, Universidade de Columbia, jornal I, 2 Jan 2010

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